Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2017

Manchester by the…sky

Imagem
O vento recortou as nuvens de forma certeira, e pô-las a contar-me a história do cavalo alado que resgata uma princesa de tranças, cansada de estar presa na torre mais alta do castelo. Um homem que entretanto passa por entre as mesas, aproveitando a ausência do empregado da esplanada do café, utiliza as suas unhas e uma velha lata, para emitir um som estridente, apelando às moedas, para que saltem dos bolsos alheios e venham adensar o ruído deste batuque improvisado. Não reconheço a melodia que ele toca, mas não hesito, e promovo-a a banda sonora da história da princesa. Não fossem os meus braços pousados sobre a mesa, como oferecendo guarida à pequena chávena da bica, e não fossem os pelos brancos que os envolvem, a denunciarem a idade, eu juraria estar em Vila Viçosa, algures pelos anos setenta do Século XX, repousando de barriga para cima sobre a erva de um qualquer campo de Maio. Nesse tempo, com dez ou doze anos, ninguém me desmanchava o gosto de ler histórias nas

As sombras na floresta

Imagem
Na floresta, quando o sol se despede, ao entardecer, levando com ele a bênção dos corvos, que lhe fazem sempre sete vénias, persistem sombras negras e imunes à lua. Os homens e as mulheres que por ali passam nesse instante, recostam-se então como podem sobre a folhagem, adormecendo num pesadelo povoado por medos e monstros nunca antes vistos, enquanto os relógios parecem desatar o tempo numa vertigem até ao abismo. Nesta agitação, valem-lhe os poetas, que são seres irmãos da noite, e que colhem palavras das árvores mais altas, em poesia ou em prosa, como bagas de cor vermelha com que enchem todos os seus abraços. Um a um, entrelaçam o seu corpo com o das mulheres e homens adormecidos, e a esperança acontece no despertar suave e no caminhar dolente até às clareiras que brincam com o luar. Nos últimos tempos, algumas pessoas muito próximas de mim sentiram o pesadelo destas sombras feias, escrevendo-lhes eu estas palavras para que não lhes falte nunca o abraço dos poetas.

Afinal coube tudo numa só noite

Imagem
A fé, tomamo-la das estrelas com que o céu nos enfeita a noite, ou então das luzes que, generosamente, alguém vai acendendo sobre a nossa cabeça. No tempo dos meus bibes de xadrez e dos calções de pano, o tio Zé e a tia Joaquina, levavam-me a ver os arraias ao redor de Vila Viçosa, as "luzinhas", sob as quais comíamos uma fartura, comprávamos uma rifa, tentando a sorte, e falávamos sobre os golos do Eusébio. Mesmo com o meu pai Sportinguista, foi assim, e por eles, que eu nasci para o Benfica. Não me recordo de ser eu sem sentir o Glorioso. Ontem, sob o céu de Lisboa enfeitado de estrelas e lua cheia, fui da Luz até ao Marquês para celebrar o tetracampeonato, levando comigo toda essa gente grande, os meus heróis, a minha gente da pátria da fé. O tio Zé finalmente celebrou um tetracampeonato, e logo assim, a brilhar sobre Lisboa. Cumprindo todos os sonhos, estive ali com todos os que me fizeram Benfica, envoltos num mar vermelho, e explicando ao mundo que

Mãe

Imagem
As tuas mãos protegem-me do vento frio, construindo uma casa invisível onde eu gosto de adormecer sob a luz ténue, mas perpétua, de um beijo. Sem que se espreite, eu sinto que é de linho bordado, o leito que me oferece o teu olhar, enquanto a voz pendura favos de mel das esquinas de todos os segundos. Então, eu sorrio e navego, enleado nas histórias doces que, mesmo sem lápis de cor, tu me desenhas no pensamento. Invariavelmente, sou um herói sem lágrimas e impossíveis, um rapaz que voa com os pássaros num campo de trigo. O amor é assim, do reino de sentir, e tu, mãe, vives aqui tão perto, como quem é tanto de mim, os dois envoltos por uma só pele. O amor é assim, foca-se na essência, e quem oferece a vida, oferece-a todos os dias no respeito pela nossa identidade.   O amor não tem pressa por não temer o tempo, e tu, mãe, és a palavra, o poema que nunca se esvai, a certeza de eu nunca envelhecer. És a eternidade.

Maio

Imagem
Com os dias que me ofereceram, construí uma torre, onde encarcerei o medo, reservando, no entanto, o ponto mais alto, para rasgar uma varanda onde me sento a brincar com os papagaios de papel que as crianças lançam ao entardecer. Ali, acendo velas aromatizadas com a minha vontade, faço rimas com as palavras que me são gratas, e rasgo as notícias velhas e desinteressantes dos jornais, dobrando depois cada pedaço, e juntando-os, até fazer hortênsias que espalho pelo parapeito. Quando o tempo vestir uma saia curta de verde trigo, bordada a ponto cruz com papoilas e malmequeres, saberei, mesmo dispensando o calendário, que Maio finalmente chegou. As tardes espreguiçar-se-ão pedindo ao sol que fique mais um pouco, e da torre aonde eu moro, soarão liras e alaúdes em tom de festa. O tempo é sempre de quem o vive de verdade, assim, calando o medo, e Maio, o mês das flores, é de quem não deixa passar sequer um segundo, sem o pespontar de liberdade.