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A mostrar mensagens de janeiro, 2016

Trago um vestido de linho do mesmo tom da lua, e aqui sentada num Rossio debruado de amoras, vou enfeitando o tempo…

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Trago um vestido de linho do mesmo tom da lua, e aqui sentada num Rossio debruado de amoras, vou enfeitando o tempo… e tudo, com os segredos que guardo em mim com o sentido doce e grená dos bagos de uma romã. De vez em quando passa o inverno que emudece o horizonte. Ressuscitam pássaros pelas manhãs depois de Abril despertar a primavera. O verão queima a campina… Mas o Outono aproxima-nos das tangerinas mais doces que nos fazem trepar às árvores do pomar. Uma casa, um piano, um violino, as telas, as palavras… E as minhas mãos desenhando sobre o tempo… e tudo, uma rua. A minha rua. Com a tinta dos segredos que trago nas mãos. Grená. E eu que visto a eterna essência do linho. Do mesmo tom da lua. A minha querida amiga e pintora Ana Cravo cumpre hoje 50 anos. É a primeira do nosso mega grupo Calipolense de 1966. Pedi-lhe uma das suas pinturas, ela enviou esta e eu escrevi sobre ela. Tina, um beijo de parabéns.

A laca da D. Mariana Aurélio e todos os aromas

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O mundo descoberto pelo desfrutar dos seus aromas. Mais um ranking... Desta vez os dez melhores "perfumes" que nestes cinquenta anos foram registados pelo meu olfacto. AS LARANJEIRAS EM FLOR NAS RUAS DE VILA VIÇOSA Por alturas da primavera, dispensam-se as jarras enfeitando de flores os altares da minha terra, que em cada um dos seus muitos largos tem sempre três igrejas. A Páscoa celebra-se pelas ruas na ressurreição da terra que agradece as bênçãos do sol. O BAZAR DAS ESPECIARIAS EM ISTAMBUL Os olhos perdem-se na imensidão das cores enquanto nós vamos tentando decifrar cada detalhe do aroma perfeito que nos abraça. Em vão... É o Oriente incessante a chamar por nós. OS MORANGOS MADUROS NO ROSSIO DE LISBOA O verão chegara há pouco e trouxe com ele os vendedores e uns triciclos carregados de morangos maduros vendidos ao quilo em cartuxos de papel pardo, depois de terem sido pesados em grandes balanças de metal. Não resisto e compro sempre um

A liberdade é muito mais do que apenas o capricho de uma madrugada de Abril...

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A liberdade é muito mais do que apenas o capricho de uma madrugada de Abril... Somos nós pulsando verdade nas mãos e na alma, cumprindo-nos sem reservas e tal qual ousámos sonhar por entre o rubro tom dos cravos... e de todas flores. E voa o pensamento na morte de todas as grades, quando o canto traz para a rua, a voz e a palavra que os poetas insistem em fazer rimar com um novo e louco sentido oferecido ao tempo. Os beijos são transparentes, as carícias calam o preconceito, os modos vestem a paz, a fé não é um preceito mas um caminho. A liberdade... somos nós. E nós somos um país que pulsa pela nossa vontade.

“Tenho um Einstein lá em casa” e outros vícios privados e públicos...

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Quando o sol se ergue a oriente despertando a lusa pátria, cedo se agita a expressão pública dos nossos vícios mais marcados, tão nossos que parecem genéticos. No ano do meu cinquentenário irei partilhar convosco vários rankings, e começo com o Top 10 das coisas que mais me tiram do sério. A ordem de apresentação não estabelece entre eles qualquer hierarquização. A ESCADA ROLANTE Subindo ou descendo, a grande maioria das pessoas pára no espaço imediatamente a seguir ao último degrau, indecisa se vai virar à esquerda ou à direita. Hesita... E os que estão atrás? É tão bonito ver cair uma estrutura de peças de dominó. OS PIANISTAS Na alma de cada Português brilha uma Maria João Pires e nos nossos dedos fervilha um Chopin. Mas como quase ninguém tem piano em casa, para onde é que vamos treinar? Para as teclas do Multibanco. Por cartão, põe código, pede extracto, tira cartão, põe outro, põe outro código, pede extracto, tira cartão, põe outro... A fila atrás v

Ao desmembrar das arestas da normalidade e da previsibilidade dos dias...

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Ao desmembrar das arestas da normalidade e da previsibilidade dos dias, ruína que a gente designa muitas vezes por solidão, o poeta chama a sua casa. Entorno a liberdade para as horas que vou enfeitando de palavras, e a lareira onde crepitam as máscaras despejadas sem dó, ilumina a sala onde me sento num sofá azul contigo ao lado. Eu aprendi no campo que as flores da primavera são de quem as beija com o olhar, muito mais do que de quem guarda documento de posse da terra onde nasceram. E as pedras do ribeiro são de quem se ajoelha... As pontes são sempre de quem as sonha… A água das fontes é de quem a bebe com as mãos em concha. Aqui onde falamos os dois, tu não és de mais ninguém; e eu apenas na aparência sou um homem só.

Quando chegam as tardes boas, que são aquelas de estarmos juntos, damos apenas dois dedos de conversa; que de mão cheia por ali, só mesmo os beijos

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Quando chegam as tardes boas, que são aquelas de estarmos juntos, damos apenas dois dedos de conversa; que de mão cheia por ali, só mesmo os beijos. E essas muito poucas palavras a que os lábios excepcionalmente cedem, ficam às duas por três a falar de amor, de paixão… com manifesta dificuldade em abordar uma perspectiva histórica: com o amor aqui dois passos (muito pequenos), tudo o de antes tem sabor a léguas de tal sentimento. Mas deixamo-nos sorrir por entre esta doce incapacidade. Depois, quando o sol já dobrou o horizonte e os copos de tinto já repousam vazios na mesa ainda posta, eu às vezes reclino a cabeça no teu colo como se fosse adormecer, e juro que diagnostico a perfeição nesses tão informais instantes. A verdadeira estrada de um Homem despreza o asfalto, e assenta nos beijos e nas palavras que são expressão de quem o ama. Então eu deixo-me ir… a passos largos. Contigo e sem nunca adormecer, pelos instantes que são fruta doce e madura entrelaçada ao inver

E os egrégios avós à volta nas tumbas

Algures por 1984, quando o Herman José utilizou o seu magnífico programa “O Tal Canal” para parodiar o  “TV Rural” e colocou o saudoso Engenheiro Sousa Veloso a plantar couves numa praia, confesso que jamais julguei possível que um dia visse semelhante cena realizada no âmbito de uma campanha para a Presidência da República. Mas vi num noticiário desta semana. Um tal candidato de nome Vitorino, ou Tino, de nome, que “tino” parece ter efectivamente pouco, apareceu a abrir um buraco na areia de uma praia de Espinho para depois aí colocar um tronco seco. Segundo as suas palavras imitava os Descobridores de quinhentos e os padrões que deixavam nas “novas terras”. Vasco da Gama ainda deve andar às voltas na sua tumba nos Jerónimos e todos os egrégios avós devem ter ficado roucos e loucos. O facto é que estando como está a República, porque é que a campanha para a presidência da dita poderia ser diferente e para melhor? Até a Simone, que nós acreditávamos ter derrotado a Madalena

O tempo e o distante… Crescer ou acreditar que afinal tudo é tão breve

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Quando percorríamos a pé a estrada de terra batida entre a Porta Real da Tapada e a Fonte dos Castanheiros, parando para descansar a meio do caminho junto a um forno de cal abandonado, com tempo para acariciar as estevas e tomar-lhes o odor da sua resina, nós achávamos sempre que o mundo era gigante. No regresso à Vila e já cansados, ainda conseguiamos cimentar a ideia de uma dimensão infinitamente maior. Depois mais tarde quando vínhamos a Lisboa no autocarro da Setubalense ou na automotora da CP que nos deixava no Barreiro, aí achávamos que cumpríamos uma experiência limite e radical. O mundo tinha afinal uma dimensão inimaginável. E o tempo passava devagar, contando-se em estações, muito mais do que qualquer outra medida, com o Verão a chegar definitivamente no instante da primeira salada de tomate de cada ano, e prolongando-se depois pelos meses longuíssimos de férias em que os calções curtos nos punham os joelhos à mercê do mercurocromo. A primavera tinha laranjeira

Quem não tem uma bicicleta e tem um livro, muito pouco se importa, pois poderá sempre ir de avião para qualquer lado

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Quem não tem uma bicicleta e tem um livro, muito pouco se importa, poderá sempre ir de avião para qualquer lado. Isso pensava sentado no pequeno banco de madeira da Livraria Escolar enquanto lia os livros com cuidado para não lhes estragar a lombada, inviabilizando-lhes a venda. Seis, sete, oito… muitos anos. Mas para além dos livros existiam as bolas de serradura envoltas em papel prateado e colorido, que presas a um elástico subiam e desciam como no estranho bailado de um planeta à mercê da minha vontade. Estas bolas chegavam sempre com um saco de torrão ou um brinquedo de lata ou madeira nos dias 29 de Janeiro, Maio ou Agosto, quando os tios e os avós saiam da feira, então no Rossio, subindo a Rua de Três para poderem dar-nos "as feiras". Os berlindes tilintavam nos bolsos em sacos costurados pela minha mãe, existindo sempre um que era o da sorte e que permitia ganhar o jogo nas três covas em linha que preparávamos na terra; os piões tinham marcas gravadas por

Joaquim Francisco... é tão só um pequeníssimo detalhe

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O meu nome devo-o ao avô materno, Joaquim Miguel, e ao avô paterno, Francisco da Conceição. O avô Chico era carpinteiro e fazia de propósito para mim, réguas de madeira com a escala certíssima ao milímetro, que eu usava orgulhosamente na escola. Também me ofereceu um leitor de cassetes para celebrar o sucesso no exame da quarta classe e, juntamente com a avó levou-me a passear ao norte de Portugal numa viagem de oito dias. Foi na sua companhia que subi pela primeira vez à Serra da Estrela. Conheceu a Florbela Espanca e o Bento de Jesus Caraça, contava-me histórias fantásticas nos serões que passávamos ao redor da braseira posta num estrado feito por ele, mas morreu em 1990 sem acreditar que o Homem tinha ido à lua. - Os pantomineiros dos Americanos. O avô Joaquim trabalhava no campo e oferecia-me todas as moedas que encontrava enquanto tratava a terra. Ainda hoje as guardo numa caixa de cortiça. Ensinou-me a apanhar azeitona, a podar uma parreira, a plantar nabiças...

Um Homem velho é um Homem cheio de inflexíveis certezas…

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Um Homem velho é um Homem cheio de inflexíveis certezas, e por oposição, um Homem é novo quando, indiferente ao número de anos que já viveu, segue feliz pelas dúvidas dos dias, moldando-se aos poucos à luz da sua fé, de mãos dadas com quem ama, e no usufruto de uma imensa liberdade. E as certezas de um Homem velho oferecem-lhe a moribunda solidão de uma ilha onde nunca desembarcam quaisquer palavras ou novas ideias. Um Homem é novo quando tem esperança, quando nunca sente nada como inevitabilidade da vida; e até uma longa e dura sede poderá ser o prenúncio para a beleza de uma fonte na próxima esquina do caminho. Em 2016 cumprirei cinquenta anos, eu e mais um grupo fantástico de amigos de sempre. Anunciamos festa rija e não é apenas pela celebração deste número redondo na idade... É por estarmos cada vez mais novos. E até o Pomar das Laranjeiras se vai encher de memórias com a dimensão de meio século.

Já que o tempo insiste em ter as suas esquinas, dobremos todos os instantes enchendo-os com o melhor da vida: a poesia

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Já que o tempo insiste em ter as suas esquinas, dobremos todos os instantes enchendo-os com o melhor da vida: a poesia. No tempo em anos contado como nas ruas todas por onde passamos, sejam os nossos passos expressão da mais pura e genética vontade, enraizada nos sonhos e infinita na força de acontecer. E se um dia nos travarem bruscamente a marcha reunamos todas as forças, e por mérito de idílicos esquadros e compassos, rasguemos janelas por onde o olhar nos leve pelo seu mérito de voar, até aquele ponto no horizonte onde somos nós. O ponto onde me esperas sentado olhando um rio que o sol reveste da tua cor, e onde as palavras soçobram perante a linguagem verdadeira e honesta dos beijos de amor. Feliz 2016... com poesia.