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A mostrar mensagens de abril, 2015

Os poetas não compram flores

Não deixo nunca que os sonhos se apaguem na inevitabilidade do tempo; com eles vou moldando o mundo, e às vezes tomo notas desenhando e construindo “os meus mundos”, detalhes de brincar que um dia, mais cedo ou mais tarde, transportarei para a dimensão real que têm os dias. Desenho a face de uma cidade colorida banhada por um rio, o Tejo; e encho-a de árvores, de ruas com chão desenhado a preto e branco, um castelo, paredes vestidas de todas as cores… e gente; uma cidade onde só pelo olhar se intui a banda sonora tecida a toque de guitarra e voz apaixonada de um fado. Lisboa, a cidade onde cada detalhe me conta uma história. O rio cruza-se desde o Terreiro do Paço em direcção ao comboio que ruma a sul e sueste… E na outra face e em tom de férias desenho as planícies que conduzem à foz de um outro rio, o Guadiana; que os rios são apenas distintos pormenores geográficos para o canto e o passo da mesma água. Aqui dispenso a ponte, tenho o barco que me levará sempre com a mão e

As lembranças de Lear e a busca incessante das palavras certas

Trouxe da tarde uma foto que tirámos junto ao rio, e escrevo olhando-a fixamente à luz das lembranças, buscando arduamente as palavras que melhor desenhem a verdade sobre o sentir a que ela reporta. Às vezes faço uma pausa e fecho os olhos para regressar ao recanto perfeito que arquitectaste em mim. Sento-me e descanso um pouco por lá. Depois regresso à foto e à folha branca. Que bom seria se os dicionários de todas as línguas do universo tomassem das musas o encanto e pudessem ajudar-me… Escrevo, leio e releio, volto a escrever… mas nada se assemelha ao tudo perfeito que os nossos olhos há pouco tão bem disseram um ao outro. A imbatível poesia dos olhares na nudez despojada de quaisquer pudores. Alguém plantou um sofá no cais da estação para que nós nos pudéssemos sentar a partilhar a nossa história. Passámos tantas vezes por aqui e nunca pensámos que um dia o tempo nos faria juntar; o Castelo iluminado ao fundo, o D. Maria no sossego de uma noite sem teatro. "A

Perspectivas … e o muito que não se vê

Quem assumir que o mar é da cor da água que a onda lhe faz rebentar aos pés algures numa praia, jamais pensará pelo tom alvo da espuma que ele é azul; e quem olhar para uma rosa cingindo-se ao pé verde cravejado de espinhos, viverá para sempre na ignorância do esplendor que a flor oferece a quem a vê e “respira”. Quem olhar para mim todos os dias ao fim da tarde no regresso a casa: mochila às costas, algum ou outro saco de compras, papéis, um assobio a enfeitar os lábios… Assumirá por certo que o homem de barba grisalha que vive no sexto andar, que em dias de jogo sai de casa com a camisola do Benfica devidamente vestida, que escuta a Anne Marie David na canção que venceu a Eurovisão em 1973, e que tem um vaso de coentros à janela; é um solitário com tiques de alguma excentricidade. O teu amor é a festa entrelaçada em todos os segundos que a vida me oferece, e eu sou muito mais… sou precisamente o oposto da solidão que alguém possa vislumbrar nos meus dias. Esta noite eram pr

Este compromisso que atravessa todas as idades

De repente, apercebo-me, passaram 25 anos sobre o dia em que acabei o curso de Farmácia: 27 de Abril de 1990. Com os muros a caírem na Europa, com Lisboa a ganhar uma cor diferente, e a poesia e a liberdade a ousarem enfeitar as noites do Bairro Alto que nos oferecia as ruas e as “tascas” para podermos pôr palavras nos sonhos e partilhá-los em voz alta; lembro-me bem dos meus 23 anos e dos regressos a casa a pé desde o cimo da Rua Rodrigo da Fonseca e da Farmácia Ronil onde estagiei, até ao Príncipe Real onde morava. Eu e os meus pensamentos numa Lisboa que já era irremediavelmente a minha casa; e um privilégio. Acho que nunca planeei nada de muito concreto por entre o desejo de ser feliz, independente e fiel ao compromisso de nunca me trair a mim próprio nos desejos, nas minhas mais férreas vontades. Custasse o que custasse. E passaram 25 anos… Quase não dei conta; penso-o quando desfruto hoje da vista desde a janela da sala de minha casa, vejo o mar e sinto o conforto de

O sol e as palavras que teço para ti

Voltei hoje a sentar-me no recanto de onde te escrevo ao jeito de quem namora, a mesa onde teço palavras e lhes peço que cresçam e voem para que te abracem. Na sexta-feira trouxe um cravo vermelho de uma tertúlia sobre a liberdade, e ontem no campo escolhi duas rosas, também vermelhas, que mais tarde juntei ao cravo numa jarra que está agora à minha frente. As flores olham-me enquanto te escrevo… E entre elas e eu, o homem que procura e escolhe as palavras; entre a liberdade, a paixão e o meu pensamento que te resgata da distância, há uma sintonia perpétua e perfeita. Eu amo-te com o vigor rubro de uma rosa e o teu amor é a expressão suprema da minha liberdade. A paixão conta bem mais para a vida do que o sangue que em mim pulsa e corre… E é repousado nos teus ombros que me encontro, e é nos teus beijos que nada de mim sobra ou falta. Sou eu completo e de verdade, sou eu pleno e coerente, sou eu a respirar o aroma doce da minha liberdade. Toda a noite choveu copiosament

O post número 1.000 / "E vão buscar-me para ir para casa"

Em 1987 tu já estavas em Lisboa a terminar a faculdade e eu ainda andava por Vila Viçosa a tentar seguir-te os passos. Como era costume nas férias do Natal, eu e a mãe já tínhamos feito o presépio e encomendado as prendas que era difícil arranjar no Alentejo. Eu queria um disco de vinil de um grupo que agora não recordo. Apesar de ter 16 anos, mantinha(o) a curiosidade das crianças de verificar se o meu desejo estava em vias de ser realizado e a existência, no cimo de um guarda-fato, de um volume com as medidas de um LP era bom sinal… Mas surpresa das surpresas, no momento em que me entregaste a prenda, o LP foi facilmente dobrado pelas tuas mãos e eu devo ter feito a maior cara de espanto: lá dentro estava o cartão de sócio do nosso Benfica e umas quadras que ainda hoje guardo onde falavas daquilo que são realmente os nossos desejos. Já sabes que não sei fazer quadras, nem limitar textos a 75 palavras, mas quero que saibas que eu, os pais, e toda a família te apoiamos naquilo qu

O post número 999

Publiquei o primeiro post deste “Pomar das Laranjeiras” no dia 20 de Junho de 2010. Foi num domingo, o título era também “Pomar das Laranjeiras” e o conteúdo mereceu os comentários dos meus queridos amigos Manuela e José Barreiros. Em Portugal comentava-se a partida de Saramago, Sócrates era um primeiro-ministro “à solta” e o jornal Público falava do projecto do chip nas matrículas dos automóveis. Passaram entretanto quase cinco anos, o “Pomar das Laranjeiras” tem 90 seguidores, regista 90.814 visualizações de página e já deu origem à publicação de dois livros de crónicas. O post “Os desempregados e o Facebook”, uma crítica às polémicas declarações de Isabel Jonet, publicado no dia 4 de Abril de 2014, foi o mais lido com 482 visualizações; logo seguido de “As magnificas previsões astrológicas do Professor Karambola”, uma sátira às leituras nos astros realizadas no início de cada ano, com 436 visualizações. E este é o post número 999. Por uma agradável coincidência, a pub

O passeio nocturno das crianças invisíveis

Caminho por entre a aragem calma de um início de noite de primavera em Lisboa. As casas com jardim, uma nespereira que galga os muros e nos oferece um tecto de frutos ao breve instante de três passos, a gente que corre, aquela outra que passeia os cães e brinca com eles nos relvados e nos passeios… Estou algures por Alvalade e acabei de dar um abraço a um amigo que perdeu o pai; levo a sensação de que o choro dessa perda é feito por nós e pela consciência dos dias que jamais terão a presença de quem nos faz sentir crianças. Continuo… Tenho o carro estacionado na rua paralela à linha do comboio e enquanto caminho cruzo-me com uma família que chega a casa após o dia de trabalho e escola. - Amanhã é o dia da mãe. Grita o filho mais novo que vai às cavalitas do pai. Cruzamo-nos e já não consigo escutar mais nada para lá do início da explicação do pai de que esse dia está para breve mas ainda não é amanhã. Chego ao carro, ponho-o em marcha, no rádio toca um CD com a Orques

É tão fácil descobrir a primavera por entre tudo o que nos acontece

Na janela da cozinha está um vaso de cartão de onde brotam viçosos coentros. O “kit” composto por vaso, sementes e terra foi-me oferecido no Natal pela minha querida amida Teresa Lopes e a “sementeira” ocorreu durante um pós-jantar de família lá em casa, com o meu sobrinho João muito entusiasmado pelo facto da actividade agrícola ter lugar sobre a mesa da sala, ainda que devidamente protegida. Já me estreei a comer uma Alentejaníssima açorda preparada com os ditos coentros. Sempre que saio de casa pela manhã trago no bolso um guardanapo de papel com migalhas de pão do pequeno-almoço. Um melro muito simpático espera por mim no relvado de acesso ao parque de estacionamento e eu partilho com ele a primeira refeição do dia. Já se aproxima a menos de um metro e eu até o baptizei com o mesmo nome da pessoa que por via do pensamento toma o pequeno-almoço comigo todas as manhãs. Chamo-lhe… Na estrada entre Leião e Porto Salvo, onde eu passo todos os dias, há um campo que por esta alt

Morremos… mas apenas demos mais um passo

Tudo parece pequeno perante a fome que persiste e que sentimos nos arranca a vida; e até o mar é um lago que se pode fazer nosso à mercê de uma pobre balsa. Morremos… Mas apenas demos mais um passo, um pequeníssimo passo num destino inevitável. Arriscámos tão pouco perante a morte que sentíamos chegar nesta aridez onde o nada, o é em absoluto e tão demasiado cruel. Nós morremos aqui à superfície deste mar onde as praias ousam beijar oliveiras. E a paz? Sentimo-la nós enquanto subimos para enfeitar o céu nas noites longas e doces, e nos cruzamos com a dignidade dos Homens que se afunda com a Jangada da Vergonha que nos ofereceram como passo, numa triste ilusão de liberdade. Ontem à tarde o jornal Espanhol El país publicava na sua edição online a seguinte notícia: “Paquete de luxo com 700 turistas europeus afunda-se ao largo da ilha de Malta e provoca a morte de todos os passageiros”. E seguindo o link chegávamos à noticia cujo primeiro parágrafo era: “Esta notíci

A tarde adoptou-nos, calou a orfandade das palavras de amor e passeou connosco por entre a gente e o riso de um domingo de primavera.

A tarde adoptou-nos, calou a orfandade das palavras de amor e passeou connosco por entre a gente e o riso de um domingo de primavera. A tarde fez-se tempo perfeito para namorar… E por mais que eu tente e faça apelo à mestra mão das ninfas que inspiram os poetas, jamais conseguirei ser justo para com a vida que me oferece o teu abraço. É tão maior do que todos os superlativos daquilo que se pode dizer. Numa última tentativa… resgato da banca uma flor que pago à pressa, ali algures numa esquina onde o Tejo nos espreita cúmplice no seu azul. Peço-lhe que seja ela a falar por mim em canto tom púrpura sobre o chão de Abril e Lisboa, a pátria mãe da liberdade. Tu sorris. Depois acendemos uma mesa com dois copos de cidra e tu embalas-me contando cada detalhe de uma história que leste há pouco; e eu deixo-me caminhar de regresso ao tempo de menino indo pelas palavras que tu vais ilustrando com o olhar. A flor está ali em baixo dentro de um saco e encostada ao pé da mesa, as p

Empresta-me o teu olhar, esta tarde eu quero ver Lisboa vestida de primavera

Empresta-me o teu olhar, esta tarde eu quero ver Lisboa vestida de primavera. Oferece-me casa e repouso num abraço, e deixa que eu escancare as janelas quando as minhas mãos se sentarem pelos parapeitos doces da tua pele. Janelas com vista para o rio e abertas a todos os sentidos. Esses parapeitos que tu sabes serem mote do meu desejo. Coze os meus passos aos teus com linha tom de azul de infinito e eternidade, e trepemos juntos as colinas enfeitando-as de beijos, semeando palavras de amor que florirão por entre as sardinheiras e os jacarandás. Empresta-me o teu olhar... Preciso que ele veja e confirme ao meu como são perfeitos os dias alinhados com o sonho. Nunca nada expressará tanta verdade de nós quanto aquilo que sonhamos. E há tantos anos que eu esperava por ti para uma tarde em Lisboa, só nossa, um recanto da primavera que usamos para namorar.

O amor é este fluir de vida por entre a liberdade

Existiu um papagaio que pertencia ao vizinho Ezequiel, que estava numa janela mesmo em frente à nossa da Rua de Três e que me ensinou a dizer a minha primeira palavra: olá; mas a razão mais profunda para eu gostar tanto de falar será a genética e toda a herança que por ela recebi do meu pai. Não será portanto de estranhar que nem um segundo de silêncio existiu no espaço do meu carro quando viajámos de Évora para Vila Viçosa num fim de tarde desta semana. Sob um céu de um tom negro que descarregou chuva quando já estávamos entre o Alandroal e Pardais, acho que não houve tema que deixássemos órfão até que chegámos, e nem sei por qual caminho, aos namoros de antigamente. - Eu comecei a namorar a mãe num baile ao ar livre no casão do “Cai nessas”. As alcunhas alentejanas dão cabo de nós. Continua o pai… - Eu tinha uma namorada de Bencatel que estava zangada comigo e não queria dançar, e eu fui à procura da rapariga mais bonita que havia por ali para lhe fazer inveja. Encontre

Este querer intenso com que te abriguei em mim

A força imensa com que te desejo arquitecta recantos para onde eu vou namorar contigo… E tece de beijos todos os instantes. O tempo todo e todos os lugares que nascem em mim revestem-se assim da eternidade imune aos humanos cansaços, e tu, meu amor, és meu e só meu, por entre um intenso aroma de infinito, irmão daquele que nasce das flores mais viçosas dos campos regados pela primavera nas chuvas generosas de Abril. E eu apago as distâncias quando o pensamento te resgata seja de onde for só para vires até aqui afagar-me a mão com doces beliscos; e eu incendeio os sentidos quando elevo os meus braços cansados e pousados sobre o velho sofá, até ao desenho sonhado do mais perfeito e mais quente abraço. Não há ruas que não sejam nossas, não há árvores que não sejam berços de sombras para o eco doce das nossas histórias, não há palavras ditadas pela alma que permaneçam órfãs, se todas se soltam para irem a correr abraçar-te tal qual os meus braços. Porque jamais a realidade pode

Eu sou desta noite onde te espreito numa tela que se confunde com o horizonte

A hora avança cumprindo o irreversível destino do tempo, e há uma cortina escura que cala o sol e o empurra para lá do horizonte numa despedida lenta ornada de laranja, púrpura, lilás e uma infinidade de outras cores. Caiu a noite sobre a planície. As luzes do carro imitam-me o pensamento e fazem incidir sobre a estrada a claridade que indica o caminho. O pensamento projecta a nossa história, que é a nossa vida; e a minha viagem nocturna pelo Alentejo é a imersão numa imensa sala onde brilham as imagens alinhadas pelas mãos mestras do melhor realizador do universo. Eu vejo-me e vejo-te na tela com a dimensão completa de todos os meus sentidos. E há beijos por entre uma infinita festa, que não apenas no final feliz de um “cinema” que é ele próprio, o paraíso. Uma festa que não acaba nunca porque mesmo quando os dias sabem a ponto final é por faltarem as palavras para descrever com verdade um amor assim. É só questão de descansar um pouco num abraço como quem muda de pará

O Dia Internacional de Qualquer Coisa

Eu comprador de flores confesso aqui publicamente que o momento que mais detesto é aquele em após uma guerra com o/a florista para o/a impedir de colocar papel celofane ou plissado de cores inenarráveis a envolver as ditas flores, a criatura me pergunta qual o autocolante que deve anexar ao ramo. “Rápidas melhoras”, “Felicidades”, “Parabéns”, “Amo-te muito”, “Eterna saudade”, “Sentidos Pêsames”… Tudo existe na forma de corações e outras, e impressas em papéis onde predominam os tons dourado ou prateado. - Não quero nada. É que para além de não ter que dar conhecimento a estranhos do objectivo de uma compra de natureza tantas vezes íntima, as flores já falam por si em todos os enquadramentos em que as queiramos oferecer. Por exemplo, não será preciso um autocolante para que num velório percebam que não estamos ali com flores para desejar “Rápidas melhoras”. E mesmo em situações em que seja necessário acrescentar algumas palavras à oferta, digo-as eu. Ora vem isto a propó

"Auf wiedersehen"

O Bayern de Munique já está no Porto e arrastou com ele uma multidão de Alemães. Comprovei isso no hotel ao pequeno-almoço e mais tarde pelo centro da cidade. Meio-dia. Paro para tomar um café na altura exacta em que o relógio e os sinos do "altar" barroco mais fantástico do país, a torre de Nicolau Nasoni, sinalizam a hora nos Clérigos, através das badaladas e o Ave de Fátima. Os turistas Alemães param, puxam das câmaras e filmam o momento. "Sobre os braços da azinheira..." A música puxa pela memória e traz a letra. Desconheço se os Alemães conhecem a história por detrás desta música e a existência há 98 anos de uma mensagem relativa a uma guerra por eles patrocinada e que rasgou trincheiras pela Europa fora. Presumo que não façam a mínima ideia, embora desse imenso jeito que o fizessem para que tal pudesse ajudar a ganharem consciência de quão imbecil é a recorrente ambição de esmagar a liberdade dos outros, condenando-os por ataques ma

Se eu pudesse afogava todas as Segundas-feiras

Se eu pudesse afogava todas as Segundas-feiras, preferencialmente no oceano de beijos de um passeio de Domingo à tarde; daqueles que às vezes as semanas nos oferecem. Calávamos o despertador, adiávamos docemente o pequeno-almoço, virávamo-nos e revirávamo-nos para todos os lados do quarto às escuras, e deixávamo-nos ficar todas as vinte e quatro horas no condomínio fechado e secreto onde os sentidos se soltam livremente. Sempre sem hora marcada para o duche de água tépida que se constitui como a última etapa no processo de acordar. Fazendo um drible irreverente às refeições e às horas em que habitualmente acontecem. Depois eu escreveria sentado à mesa junto à janela, tu lerias o teu livro num canto do sofá que a minha vista pudesse alcançar, e só faríamos pausas para um beijo ou um café que nos perfumasse as horas. E quando o dia já estivesse para terminar e a Terça-feira se aproximasse timidamente como se fosse Segunda, nós conspiraríamos e chegaríamos a um consenso sobre

O amor desenha traços sobre as paredes vazias

O amor desenha traços sobre as paredes vazias, traços coloridos como astrolábios e balsas na rota para os dias que queremos muito e ousamos viver. E nos serões passados em casa e alumiados de forma ténue por um pequeníssimo candeeiro, libertamos do mundo o olhar, quiçá de um livro, da poesia... e fixando-nos nas paredes à nossa frente, deixamo-nos ir colhendo vida ao jeito de quem apanha maçãs maduras num pomar, tomando coordenadas de instantes de onde invariavelmente nascem flores… porque os sonhámos intensamente. Flores, pequenas e azuis, aquelas que não se vêem mas que se sentem. Flores inscritas nas paredes... mas iguais às que levamos tatuadas em nós nesta viagem feita tantas vezes com a cumplicidade terna da luz de qualquer lua. Porque o amor desenha traços… em nós. E as paredes e o mundo são apenas espelhos que tomam do nosso olhar o tudo perfeito que o amor nos dá. Nesses dias que queremos muito e ousamos viver.

Fui-te procurando por entre todas as horas e todas as árvores

Alguém gritou na rua: - Olha o sol. E de facto, pelas sete as nuvens dissiparam-se e a tarde abriu um céu de muitas cores. A primavera também já vestiu de folhas as árvores até aqui despidas de Lisboa, e da mesa onde espero por ti sentado no café consigo entreter-me agora a “beber” as histórias que as sombras desenham sobre um soalho intemporal. Mar fora, um barco leva de uma cidade a memória da paixão de dois amantes que na cumplicidade das águas de um rio se sentam para namorar. E o vento, que toma o aroma dos seus abraços, eleva as águas e as mágoas ao céu, impondo-as ao sol em algumas tardes de primavera. Tu anuncias que estás a chegar… e não tardas. Os teus passos esmagam então as sombras sobre o soalho e o teu beijo subtrai definitivamente a mágoa a esta tarde. As sombras que nós vemos pressupõem sempre que o sol está algures a brilhar; é só uma questão de sair e ir procurá-lo por entre as árvores e os telhados de Lisboa. Procurar o sol ao jeito de quem te bei

A minha história é o rasto das pegadas que deixei vincadas no tempo quando te procurava

Instalo-me no momento que decalca a minha vontade, e acode-me um déjà vu ... foram  tantos e tão intensos os dias em que sonhei contigo. Depois, vou por este instante confirmando detalhe a detalhe que nada ficou por cumprir. E o teu olhar que me beija como se o universo todo se tornasse minha propriedade… Não, muito antes pelo contrário, tu és infinitamente maior do que a mais perfeita das minhas oníricas ambições. Persisto… Liberto as minhas mãos do pudor e dos medos e vou acariciando o teu rosto como quem te procura e procura uma prova táctil para o seu estado vígil e consciente. Tu és mesmo tu. Sim, estou acordado. Os sentidos todos reagem comigo no instante em que explode um sorriso, e os beijos e os abraços se soltam na celebração e na festa de te ter aqui. A minha história... é o rasto das pegadas que deixei vincadas no tempo quando te procurava. E agora vou contigo pelo tempo de uma história que sonhamos.

CSI, Priscillas e… menos mal que ainda há flores

Atravesso o parque de estacionamento e no meio de um canteiro abandonado ao destino de terra seca e árida descubro um pequeníssimo “ bouquet ” de amores-perfeitos. Não resisto e fotografo-os. Avanço até à rotunda que se encontra por ali, onde duas agentes da Polícia Municipal estão em delírio a passar multas aos donos dos carros que estão mal estacionados. Pela azáfama consigo percepcionar que foram recrutadas em alguma equipa que tenha ido representar Portugal nos falecidos “Jogos sem Fronteiras”. Há um individuo vítima desta acção que descobre o carro das agentes, um Smart , estacionado no mesmo local das viaturas multadas, e resolve fazer uma foto. Uma agente para outra: - Olha o espertinho… E uma das agentes para o individuo: - Olha, não te esqueças de sorrir para a fotografia. E o homem para elas poupa-se nas palavras e acena com a mão direita; dedo médio esticado e devidamente ladeado pelo anelar e o indicador em pose de reverência à sua majestade. Eu fujo def

Viver é o exercício da minha liberdade

É destino obrigatório para quem ama, a impotência das palavras na expressão da verdade daquilo que sente. Dir-me-ão que os poetas rompem este fado, como afinal tantos outros humanos destinos. Os poetas aproximam-se muito mais da verdade dos sentimentos mas não tanto pelos méritos do seu léxico; será muito mais pela ousadia que rompe os tabus na hora de o fazerem. Eu poeta me confesso... Na tarde da última Quinta-feira, quando te dei um abraço antes de irmos cada um para a sua Páscoa, eu percebi claramente que jamais poderia descrever com exactidão o que senti. Por ser o maior de todos os sentimentos. Mas não temo dizer que o senti, e não me privo de convocar palavras para escrever aqui o que disse por entre a festa dos nossos olhares: - Há uma vida inteira que esperava por ti. Destemido... E digo-o sempre sem dizer como te chamas, fixando-me na essência do abraço e do sentir, muito mais do que no teu nome, que como qualquer outro detalhe que conste