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A mostrar mensagens de agosto, 2013

Um poeta de muitas terras

Muito tarde lhe descobri a poesia. Aconteceu apenas e só naquele final de ano de 1997 quando fui à procura da razão porque escolhera a minha Vila Viçosa para sua sepultura nesse pedaço de terra à sombra da Senhora da Conceição abençoado por Florbela e tantos anónimos que fazem dele um verdadeiro panteão dos donos da palavra que dá verdade à alma: os poetas. Um poeta de Moçambique nascido em Inhambane a 10 de Agosto de 1932 que recebeu por herança de um avô Suiço, um relógio, e um apelido estranho que para nós Calipolenses tem algo de familiar por pertencer a uma família que há muito estimamos. Mas um poeta nosso, de Portugal e do sul: “De português tenho a nostalgia lírica de coisas passadistas, de uma infância amortalhada entre loucos girassóis e folguedos; a ardência árabe dos olhos, o pendor para os extremos: da lágrima pronta à incandescência súbita das palavras contundentes do riso claro à angústia mais amarga”. A revolução oferecera-lhe a liberdade ao mesmo tempo q

As tristes chagas de um país em chamas

No mesmo telejornal, o de ontem à hora de almoço, o destaque para a morte de mais uma bombeira no incêndio do Caramulo, o discurso de Santana Lopes na Universidade de Verão do PSD e a nomeação da nova Secretária de Estado do Tesouro. O país em três histórias que só na aparência são independentes umas das outras. Os incêndios são um tormento sempre que chega o verão e se abre a denominada época dos ditos, numa recorrência nunca quebrada pela falta de medidas eficazes de prevenção e combate. No enquadramento actual do “negócio incêndios”, preveni-los com uma campanha de TV apelando ao não atirar de “beatas” para a berma é tão ridículo como querer tratar uma tuberculose com uma Aspirina Pediátrica. A prevenção efectiva far-se-ia com a implementação de medidas que esvaziassem os interesses comerciais por detrás do fogo, com um aumento da vigilância e sobretudo com o combate à desertificação e ao abandono dos campos. Quando de fecham escolas e centros de saúde no interior empurram-

Alandroal

Para: Luísa Valente Abraçam-me ruas tecidas a cal De ocre bordadas em fino traço Tom de trigo, alento do meu passo Caminho que a alma fez imortal A andorinha que sorri no beiral Baila no voo por sob o espaço Liberdade maior e sem cansaço Na força do sonho tornado real E o sol que nasceu ainda agora Dia feito no tempo desta hora É bênção do sul, alma de Portugal Grita o povo: Virgem da Conceição Em preito de fé, fervor e oração Alentejo, vida, paz: Alandroal.

Na majestade sublime de um poente No perpétuo cantar das ondas No olhar doce que carrega palavras e me grita: amor No verbo que me ampara No paralelo caminhar, alento e rota por entre os dias No conforto de uma mão entregue à minha Na ardente paixão de um beijo No aroma quente de uma flor que me trouxe a primavera Na melodia do fresco correr da fonte Na paz do tempo sem a pressa do relógio No doce travo da cereja No voo de uma ave que dança rasgando o céu No riso Na loucura dos sonhos mais ousados No Homem que se inquieta No querer que não tem fim Na arte No canto Na poesia… A vida Perfeita e grande Inteira se revela E incessante me fala de Ti Perfeito Tu Criador Nascido assim em mim na fé que a alma encerra

Mostra-me o teu cartaz, dir-te-ei quem és.

As Eleições Autárquicas que terão lugar em Portugal no próximo mês de Setembro condicionam já definitivamente as nossas paisagens através de uma “sementeira” de cartazes com caras, monumentos e mensagens para todos os gostos. Comprovei esta situação nos meus passeios de férias e fui registando o que de “melhor” encontrei, dando agora conta deste meu “Autárquicas 2013 Tour”. Para além das inevitáveis: honestidade, competência, seriedade, rigor, trabalho, etc; as mensagens dos cartazes e os slogans das campanhas poderão ser agrupadas em várias categorias. Desde logo a “ Aritmética ”: “Mais Beja” – Beja / João Pedro Caeiro; “Muito Mais Barreiro” – Barreiro (PS); “A diferença necessária” – Loures / João Florindo (CDU); “Sintra pode mais” – Sintra / Pedro Pinto (PSD). Também encontramos a categoria “ GPS ”: “Rumo Certo” – Vila Verde / António Vilela (PS); “Virar à esquerda” – Lisboa (BE); “Gaia não pode parar” – V N de Gaia / Carlos Abreu Amorim (PSD); “Um compromisso de mudança” –

Náufragos

Tem um não sei quê de campo Esse olhar tão cheio de vida com que envolves as palavras Urze, esteva, giesta… Um sonho imenso A festa E a alma toda aqui presente Na bênção da verdade Que é privilégio de ouro oferecido ao teu falar Então Prendo-me a ti Inteiro E na mais pura fidelidade a mim Nesse instante em que os meus braços Bebem da força do granito que herdaste nos teus Este momento sabe a paraíso Soa a eternidade E tem raízes na imbatível força de um destino Eu e tu Eternos heróis do campo Os dois aqui num só Olhando o mar Cúmplices das ondas no cumprir de um eterno beijo dado à terra Eu e tu Náufragos arrastados pelo sonho À mágica ternura de um beijo Num só gesto A vida toda A poesia Nós O infinito… e tanto te amar

Rio de Onor

Há uma ponte feita de granito onde animadamente está à conversa um grupo de quatro pessoas. Não sei se falam Português, Castelhano ou ambas as línguas entrelaçadas numa língua única tornada a sua própria língua. Tão pouco sei se habitam em Rihonor de Castilla ou Rio de Onor, terra Portuguesa do Distrito de Bragança, a terra que busco na minha viagem e no cumprir de um sonho de muitos anos. As duas localidades, indecifráveis pelo olhar, são afinal uma terra sem fronteiras povoada por gente que vive em comunidade na partilha dos fornos, da terra e dos rebanhos. Um raro e indiscutível “Património Afectivo da Humanidade” algures na estrada estreita que entre pinheiros cruza as montanhas e percorre a distância entre dois países e duas cidades, Puebla de Sanabria e Bragança. Os Homens, quando são assim grandes, vivem na incompatibilidade das fronteiras e alinham os seus dias pela simplicidade e generosidade, suprema inteligência que faz anular o individual para que brote a força e o p

Ora et labora

Escrevo junto à pequena janela com portadas de madeira de onde avisto o Rio Sella e lá ao fundo uma enorme montanha verde. Estou alojado na Abadia de San Pedro de Villanueva, perto de Cangas de Onís, nos Picos da Europa. Fui muito bem recebido pelos seis monges que habitam este lugar e que seguem a regra de São Bento, “Ora et Labora”, e que nem falar podem. É mesmo só: orar e trabalhar. Sou peregrino, sigo para o Santuário de Covadonga e em troca do meu trabalho dão-me por estes dias, esta pequena cela onde posso dormir, e também um prato de comida que é quase sempre feijão e que é preparado pelo monge de serviço à cozinha durante este mês. Tomamos banho na água gelada do rio e para “pequenas lavagens”, temos um poço que bebe da água do rio e que está aqui mesmo ao lado da cela. O sino toca muito cedo para as orações da manhã que partilho com os monges na igreja que em relevo e na fachada tem animais e Homens em poses que salientam o falo e a sua utilização demasiado carnal e

Astúrias

As montanhas são mãos da terra erguidas ao céu, salmos de seiva e verde, hinos, o canto das horas, de todas as horas, num incessante preito de louvor a Deus. E são perfeitas estas mãos, assim tocando e bebendo do infinito, osmose de paraíso numa bênção, a fertilidade, que é milagre de vida sentido em cada fruto, em cada pão. Junto à raiz da montanha, há um rio que corre lento mas seguro, paralelo à estrada por onde eu sigo. Eu, por estes momentos, tornado assim secreto cúmplice do murmúrio que é mote de paz, soluçado rosário das águas cristalinas. Lá longe, no pico que se debruça sobre o mar e onde aqui e ali se rasga uma clareira para que cresça o pasto que alimenta o rebanho, celta se faz o toque de uma gaita na herança de um pastor que céu e mar carrega no azul dos seus olhos… e a bravura no coração que domina a terra. As mãos, essas, tatuadas a trabalho, entregam-se heróicas ao doce e perpétuo acariciar da fertilidade da terra. Com cidra brindaremos de aqui a pouco, quan

Finisterra

São sinuosos os últimos metros do caminho. Do lado esquerdo da estrada e ao fim da escarpa íngreme, o Atlântico revela-se em matizes de cinza, morto o azul pelas nuvens que neste dia de Agosto nos querem impor a chuva. Aqui e ali, o sol aproveitou a fragilidade das nuvens, e é de prata, o rendilhado que os seus raios oferecem à água. E a água nunca resiste às rochas e sempre se desfaz em branca espuma contra todas as que sustentam a ponta de terra que sustenta o farol. Não há gaivotas, há corvos em constante voo negro por cima de nós e por entre as cruzes de pedra e as lápides que temperam de misticismo este lugar. A bravura do mar perante as limitações do Homem impôs o nome “da Morte” a esta Costa onde a salvação deu à Virgem o natural título “da Barca”. Acreditou o Homem, por ler na Via Láctea, que este sítio era o Fim do Mundo, o Fim da Terra, Finisterra, e aqui marcou o quilómetro zero do único Caminho de Santiago que não termina no túmulo do Apóstolo, tendo lá um inédit

De repente… um telefonema do paraíso

Adão, ainda estás aí? A maçã? A serpente? Não venhas de novo com essa história e arranja algo mais original para justificar o facto de andares nu. O pecado? Livra-te dele… se puderes. Quem te mandou inventar as regras ao teu jeito e depois enobrece-las com o meu distinto rótulo de… divinas? Cansei-me de te acudir. A cada grito teu de “Valha-me Deus!”, nunca faltei. E que me fizeste? Deste-me mil nomes em mil histórias diferentes a que chamaste religiões, e colocaste-me no altar da tua soberba e da tua conveniência para em meu nome e em nome de uma falsa fé, matar-me, matando os outros Homens. “Pai-nosso” e uma bomba. A antítese ou o terrível binómio da tua hipocrisia, quando nuclear teria sido apostares na imbatível energia de saber amar. “Graças a Deus”. Pára de me chamar constantemente para a festa da vaidade de quase me teres como um exclusivo no patrocínio do teu sucesso. “Se Deus quiser”. Terás tu muito a ver com o que eu quero nesse abusivo vincar d

Passeio numa noite de verão

Depois da visita a uma esplanada da Praça no período antes do jantar, na companhia da Manuela, e sem que qualquer brisa fresca passasse por ali, eu e o João Paulo não nos demos por vencidos e fomos pela noite de Vila Viçosa procurar o dito sopro que nos aliviasse do dia de calor. Como sempre subi a Corredoura e encontrei-me com o meu amigo à porta da casa dele naquele pedaço de rua que será sempre mágico para nós pois foi ali que mais brincámos nos tempos em que a D. Joana Ruivo, desde a Livraria Escolar, e o Sr. Domingos, desde a sua loja, nos supervisionavam as actividades lúdicas no passeio em frente ao café do Sr. Cândido. Lena Pereira, também te recordas? Nestes dias quentes de verão nunca faltavas. Subimos já juntos até ao canto da Praça reparando que o termómetro da Farmácia Torrinha marcava 32 graus. Nada mal para as 10 da noite. O canto da D. Catarina era sempre um bom poiso. Parámos. O sítio está igual mas… não, já não se está bem por ali. A D. Catarina e o Sr. Jul

O Óleo de Fígado de Bacalhau e a Justiceira de Queluz

Nestes dias quentes de verão em que o sol abrasa aqui pelo Alentejo, o melhor sítio para se estar é sempre o refúgio das nossas casas caiadas que ainda oferecem algumas hipóteses, raras, de um ambiente mais fresco. Entre as leituras e as escritas, fugimos da televisão por não existir mais poder de encaixe para a música pimba transmitida desde os espaços ajardinados e à sombra, das cidades e vilas por onde passa a Volta a Portugal em Bicicleta, e dá-se uma espreitadela aos jornais para não se perder de todo o contacto com o mundo. E assim, neste fim-de-semana que passou, bem poderemos dizer que ficou marcado definitivamente pelo Óleo de Fígado de Bacalhau e pela Justiceira de Queluz. Passo a explicar. Não gosto do Jorge Jesus, e nunca gostei. Não lhe aprecio a pose, a arrogância e a sobranceria de quem nunca se engana e de quem nunca assume os erros, atribuindo sempre a culpa das derrotas à má sorte ou à má vontade dos árbitros. A mesma sobranceria de se colar por mérito aos

O verão mata sempre a neve da serra

Decorria o ano de 1986 e acreditávamos estar a celebrar o 2000º aniversário de Nossa Senhora. Como sempre acontecia, iríamos participar em Fátima no Encontro Animação Nacional dos Convívios Fraternos, algures num fim-de-semana de Setembro, e nesse ano estávamos encarregues da preparação de uma Celebração da Palavra que iria decorrer no Centro Paulo VI e em que no final cantaríamos os parabéns a Maria. Para tal idealizámos quatro velas gigantes contendo cada uma, um algarismo, que ao jeito das congéneres dos bolos de aniversário subiriam ao palco pela mão de quatro amigos. Eu e o Manuel investimos largas tardes das nossas férias na construção das ditas velas que preparámos com uma base de esferovite forrada com papel de cenário pintado com os tons de uma vela real de cera e a respectiva chama acesa. No sótão da D. Catarina, entre tintas, colas e sobretudo muita conversa, aproveitámos por fazer sauna e suar por efeito dos quarenta graus do Alentejo ampliados naquele andar, “o primei

Trás-os-Montes

É o mesmo sol que conheço de cor do Alentejo, este de brilho intenso e com a força de um imenso braseiro, que abençoa de luz o olhar na hora em que subo ao Castelo de Montalegre. Pedra sobre pedra, o Homem, forte e cúmplice do granito, acrescentou metros à altitude já de si majestosa do monte, e assim por certo cruzou o quilómetro, abrindo uma janela única para as terras de Espanha, fortaleza para as terras de Portugal, que essas sim são nossas, e mais do que tudo, importa defendê-las. E a neve do inverno é hoje tão-só uma breve recordação, e simultaneamente uma promessa que o tempo irá cumprir depois de aliviados os ouriços ainda verdes dos milhares de castanheiros que nos servem de caminho desde aqui e até Vilar de Perdizes. Hoje, a magia não anda oculta por terras do Padre Fontes. Não é sexta-feira dia 13, é 15 de Agosto, e a banda lá longe no terreiro já afina instrumentos e dá os primeiros acordes para a festa da Senhora, que nesta terra só poderia ser da Saúde. Os sinos

Partir

Partiste Sem a palavra Sem o gesto De um fugaz adeus Atrás de ti O silêncio O eco do vazio Impera por sobre a estrada Negra Triste Com intenso tom de fado e de saudade Foi breve Muito breve A festa de te ter aqui E hesito Sonho? Realidade? O que foram afinal as horas Raras Do amor que então vivi Desistir? Jamais Desistir seria matar-me a mim E a minha esperança? Tem a cor da esteva que bordeja a estrada E o meu destino? Floresce na fidelidade ao horizonte Por ele um dia romperás Cúmplice do sol Da luz Na magia De um alegre despertar Perfeita Será a bênção dessa hora Feita dos passos do teu regresso aqui A mim Aos meus braços Ao meu olhar

Um herói muito próximo de nós

Hoje, dia 16 de Agosto é feriado municipal em Vila Viçosa. Comemoramos o nascimento de um médico nosso conterrâneo, o Dr. João Couto Jardim. Numa terra que foi berço do Rei Restaurador, D. João IV, de uma rainha de Inglaterra que até ensinou os súbditos a comer de garfo e faca, deixando-lhes ainda o hábito do chá das cinco, uma terra que guarda a imagem de Nossa Senhora da Conceição coroada por D. João IV em 1646 no momento que marcou o fim da colocação da coroa na cabeça de qualquer monarca da nação, a terra onde nasceram Florbela Espanca e Henrique Pousão… poderá parecer estranho que o feriado municipal incida sobre uma personalidade com uma expressão apenas local e por certo desconhecida das pessoas que não sejam de Vila Viçosa ou que lá não residam. O Dr. João Couto Jardim, filho de uma família oriunda da Ilha da Madeira mas já nascido em Vila Viçosa, faleceu poucos anos antes de eu ter nascido, mas tal não impediu que eu tivesse desde sempre convivido com a sua história em ep

Abraço

Subtrais de mim a saudade Sempre que chegas assim Sorrindo Por entre as flores do campo Déjà vu Se tanto galopei pelos sonhos Querendo-te aqui O beijo sufoca as palavras E são as mãos que soletram: amor Ao primeiro toque da tua pele O prefácio Da infinita festa de um abraço O olhar está suavemente cerrado Fechou-se no instante à seguir à bênção do teu E Tendo-te aqui Nada mais importa ver Afinal… Tenho o mundo todo nos meus braços

O choro da gente nos dias do dilúvio

É o silêncio que nos acompanha quando desde Campo do Gerês descemos até à Barragem. O lago, que nasceu por imposição da gigantesca parede de betão, é enorme, num elevado e grotesco contraste de azul com as altas montanhas de granito, mas a água, percebemo-lo, não pertence ali ao vale de Vilarinho das Furnas. É segunda-feira, dia 12 de Agosto de 2013, faz hoje precisamente 106 anos que nasceu o grande Miguel Torga. Assinalo a curiosidade quando já no regresso a Campo de Gerês entro no museu que guarda a memória da aldeia submersa em 1972, uma feliz “Arca de Noé” instalada pela Câmara de Terras do Bouro, porque é pelo privilégio das palavras do escritor que ficamos a conhecer a vida numa terra com uma organização e uma perspectiva única de comunidade e de partilha, gente simples, pastores na maioria, Homens detentores da suprema inteligência de quem é simultaneamente simples e generoso, gente que se dispersou pelos concelhos vizinhos quando em nome do desenvolvimento, a água chegou